quinta-feira, 31 de março de 2011

MERCOSUL: o quanto o bloco pode avançar


Nesta semana em que o MERCOSUL completa 20 anos - já como o maior dos blocos econômicos da América Latina - julguei importante uma conversa com uma das nossas autoridades mais envolvidas em sua constituição, o diplomata José Botafogo Gonçalves, ex-ministro de Indústria, Comércio e Turismo e embaixador especial para Assuntos do Mercosul durante o governo Lula.

Também presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), o embaixador Botafogo fala dos avanços e atrasos na consolidação do Bloco e explica como "o MERCOSUL é uma ideia simpática no discurso, mas na prática nem tanto".

Qual a importância do Mercosul hoje para o Brasil?

[Botafogo ] A despeito do fato de que o Mercosul, depois de sua criação em 1991, ficou aquém das expectativas e de seu projeto final, que é a integração do mercado comum dos quatro países membros (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), o bloco está consolidado e veio para ficar. O MERCOSOUL já garantiu seu espaço entre os países membros e incluiu modificações importantes nas relações comerciais, entre as quais, mais dinamismo e mudança de instituições financeiras. Também logrou êxito no campo da educação, do turismo, da saúde e até do trabalho. Há uma série de normas que estão, pouco a pouco, reconhecendo que os cidadãos que dele participam têm mais vantagens sobre os demais que estão fora do Bloco.

Estamos, portanto, num momento de aprofundamento e consolidação. Isso se dará, obviamente, num ritmo mais lento a partir de agora, porque no início havia uma ambição política e entusiasmo frente a nova ideia de sua criação; e ainda há obstáculos naturais que devem ser enfrentados, como, por exemplo, a falta de uma infraestrutura, deficiência de logística e na área de transportes que afetam a velocidade desta integração.

Podemos citar, também, a deficiência na coordenação de políticas macroeconômicas, sobretudo do Brasil e da Argentina. Nosso país manteve nos 8 anos de governo Lula políticas macroeconômicas consistentes, ao contrário da Argentina que variou e teve inflação alta, além da falta de transparência nos dados e estatísticas. O ritmo de integração será mais lento, mas a integração é inexorável.

Quais os pontos positivos e os negativos relativos ao Mercosul?

[Botafogo ] Positivos certamente o crescimento do comércio e a integração de algumas cadeias produtivas ainda incipientes, mas que já começam. Na da área alimentar, por exemplo, hoje empresas brasileiras detêm o controle do setor de carnes na Argentina e no mundo. Há, também, o papel importante desempenhado pelas empresas, como são os casos da indústria de cimento da Argentina e, obviamente, o petrolífero, da Petrobras.

Devemos lembrar, também, da cooperação científica e tecnologica entre Brasil e Argentina. Na área militar, as nossas Forças Armadas e as deles se entendem muito bem. Aquela velha rivalidade acabou completamente. No setor atômico, os dois países têm grande cooperação, há uma transparência e não existe nenhum espaço proibido para a visita de cientistas brasileiros na Argentina e vice-versa.

No turismo, nem se fala. A integração está bastante avançada. Os turistas tanto argentinos, quanto brasileiros aproveitam hoje a complementaridade climática entre os dois países - nós vamos para lá durante o inverno, eles vêm para cá, no verão.

E os pontos negativos?

[Botafogo ] O mais decepcionante é a falta de coordenação das políticas macro e industriais. A política industrial argentina não coincide com a brasileira. Temos problemas na pauta de restrições às importações de produtos brasileiros. Isso é consequência de políticas setoriais ainda não convergentes. Quanto à maior liberdade de circulação de serviços, o MERCOSUL também avançou, mas menos. Profissionais como médicos, advogados, engenheiros, economistas, professores têm ainda muita dificuldade de terem seu diploma reconhecido nos países do Bloco. Nós somos muito protecionistas neste sentido. É preciso avançar o reconhecimento dos títulos universitários, para que esses profissionais possam exercer suas atividades. Também afirmaria que em relação à circulação de pessoas e mão de obra, o progresso é ainda modesto.

O fato é que total liberdade de comércio, ainda não existe. Dois setores que ainda não estão totalmente liberados são os automobilístico e do açúcar. No primeiro caso, o mais importante, é o comércio de automóveis. Já na questão da União Aduaneira, o MERCOSUL ainda está muito falho e é necessário uma mesma política tarifária de impostos alfandegários. Um produto vindo da China deveria, por exemplo, ter o mesmo tratamento nos países membros, mas há exceções nisso. Como mercado comum e união aduaneira o MERCOSUL ainda não cumpriu o que se propôs.

Como o MERCOSUL é visto pela população dos seus países membros?

[Botafogo ] A ideia já é bastante popular e bem aceita academicamente. Politicamente, também, não cria problemas, todos falam bem em todos os lugares. Boa parte das pessoas se dizem a favor do MERCOSUL, mas o advogado paraguaio ou o médico argentino sabem que terão dificuldades para exercer sua profissão aqui no Brasil e, vice e versa. O MERCOSUL é uma ideia simpática no discurso, agora na prática nem tanto.


Blog do Zé Dirceu

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