terça-feira, 27 de setembro de 2011

Transparência na reforma política: uma resposta à Veja - Por José Dirceu

Em sua última edição - nas bancas desde sábado - a revista Veja repete sua prática de misturar informações para confundir o leitor. Desta vez, a tentativa é de jogar uma cortina de fumaça no debate sobre a reforma política.

Contra a proposta do PT de reforma política, a revista dissemina inverdades sem indicar as fontes das quais retira suas conclusões. O resultado só pode ser a desinformação e a sensação de que a Veja se refere a outra proposta, não a que o PT defende (a íntegra do anteprojeto pode ser lida aqui e seu resumo aqui ).Não se engane, Veja: o povo brasileiro está maduro e há muito já venceu o medo.

Agora, vamos ao debate real da reforma política. O PT defende, há muito tempo e de forma aberta, uma reforma política baseada no financiamento público das campanhas eleitorais, com o controle do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E, agora, o relator da reforma política na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS) - na foto acima - propôs o sistema de voto proporcional misto, no qual o eleitor votará duas vezes: primeiro no partido de sua preferência e depois em um candidato.

Menos corrupção e caixa dois

Combinadas, essas duas propostas reduzem o espaço para a corrupção e combatem o caixa dois e o enorme peso que o poder econômico tem hoje nas eleições. Essas são as chagas a serem combatidas. Para se ter uma ideia, o custo de um voto de um candidato que se elegeu em 2010 é até dez vezes maior do que o custo de um candidato que não se elegeu - ou seja, hoje, sem grandes volumes de dinheiro, dificilmente um candidato se elege. E o custo das campanhas tem aumentado eleição após eleição.

Para combater isso, o financiamento público prevê a criação de um fundo de campanha separado dos recursos do fundo partidário (aqui, a primeira informação errada de Veja, que afirma que esses recursos serão geridos juntos). A cada ano véspera de disputa eleitoral, caberá ao TSE (portanto, à Justiça) definir, no Orçamento do ano seguinte, o teto de gastos em cada eleição. As doações privadas continuam existindo, mas não vão mais para as campanhas: são depositadas nesse fundo único gerido pelo TSE.

Como o teto já estará definido, a União entrará com recursos apenas para que se chegue ao teto. Exemplo: se a campanha for definida em R$ 1 milhão e as doações privadas somarem R$ 500 mil, a União financiará o necessário para atingir o teto (portanto, Veja, a “facada no bolso do contribuinte” será menor do que é hoje).

Menor influência do poder econômico

A partir do momento em que todos os candidatos terão recursos limitados para fazer campanha, a influência do poder econômico nas eleições diminui. Além disso, os repasses aos partidos serão realizados pelo fundo gerido pelo TSE. Isso amplia a capacidade de fiscalização pela Justiça do uso do dinheiro em cada campanha. Será que é contra isso que Veja se volta?

Mas, notem que o sistema de voto duplo é complementar ao financiamento público, porque introduz o voto programático. Se aprovada a reforma política que o PT defende, o eleitor passa a votar em um candidato de sua preferência e em um partido de sua escolha.

O primeiro voto é idêntico a como se faz hoje. Mas o segundo levará o cidadão a comparar as propostas e decidir de acordo com o programa de cada partido. Esse voto é descolado da personalidade do candidato, o que abre espaço para uma campanha de defesa de ideias, propostas e programas, no lugar de uma campanha de discussão exclusiva de nomes.

Sabemos que as campanhas estão cada vez mais caras também porque o candidato precisa fazer circular seu nome. Ou seja, o voto programático tem custo menor e mais conteúdo. Não é disso que reclamamos quando o nível da eleição é baixo? Que precisamos debater mais ideias e menos nomes?

Aprovação partidária

Dizem também que com o voto em lista o eleitor não poderá mais escolher o seu candidato. Como se, hoje, alguém pudesse se candidatar sem a aprovação da direção partidária. Mas para impedir uma supremacia das direções das legendas, a proposta de reforma política que o PT apresenta à sociedade prevê regras de respeito à proporcionalidade interna dos partidos na composição da lista, seja por meio de votação nominal, seja por votação em chapas ou por prévias na convenção.

Há ainda um instrumento poderoso de consulta popular, que é a previsão de realizar um referendo sobre o novo sistema na terceira eleição, modo pelo qual a população poderá se manifestar se concorda ou não com as mudanças. Esse recurso é sempre esquecido por aqueles que criticam a proposta do PT.

Duro golpe nas minorias

Outras alternativas de reforma política em debate são o voto distrital e o distritão. Nesses casos, pela primeira, o Brasil será dividido em distritos nos quais concorrerá um candidato por partido naquele distrito. Quem ganhar, ganhou, por maioria simples. A tendência é o desaparecimento das minorias, das regionalidades e das representações municipais, porque as minorias tendem a não conseguir eleger um representante justamente porque estão em número menor em todos os distritos, enquanto que, hoje, é possível que as minorias se unam para eleger um candidato que as represente. Esse duro golpe nas minorias seria um absurdo para um país plural como o Brasil.

Outro efeito colateral é a tendência ao bipartidarismo a que o modelo induz. Sem falar da dificuldade em definir os critérios para se desenhar os distritos, algo que pode gerar distorções sérias do voto do eleitor. Nesse modelo, é possível também que um partido obtenha o maior número de votos em todo o país, mas não eleja nenhum representante, o que aconteceria se esse partido ficar em segundo lugar em todos os distritos.

O distritão, por sua vez, é o êxtase da influência do poder econômico nas eleições, porque transforma os Estados em grandes distritos em que os eleitos são os primeiros colocados, pouco importando o partido ao qual pertencem, fazendo o valor das campanhas crescer vertiginosamente.

O PT não perde em nenhum sistema

Já fizemos um cálculo de que o PT não perde em nenhum destes sistemas. Isso se dá porque os partidos políticos não dependem apenas do sistema da vez, mas dependem da força que têm, da base, da militância e se são aprovados pela população. Se quisermos acabar com a corrupção, com o caixa dois, se quisermos melhorar a representatividade social entre os nossos eleitos, aproximar o eleitor dos escolhidos por ele nas urnas, precisamos fazer a reforma política. O sistema que vigora hoje – e que só existe no Brasil – não se sustenta mais e vai cair, porque é crescente a insatisfação popular. É hora de mudá-lo. Mas para isso é preciso debater com transparência.

Blog do Zé Dirceu

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