segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Do metrô ao programa espacial: como é difícil construir estratégias - Roberto Amaral

Dois são os grandes méritos do chargismo. O primeiro, é a capacidade de apreensão da realidade. O segundo, talvez o gênio maior, a capacidade de traduzir a crítica, isto é, de formular sua mensagem, através de um traço, de uma tira, de um personagem e poucas palavras.

A tira ‘Agente Zero Treze’ (de Arnaldo Branco e Claudio Mor) publicada no Estado de S. Paulo em 2/1/2012 é, neste sentido, exemplar. Nela o personagem que chamarei de ‘Chefe’ determina ao seu ‘agente 013’ que “acompanhe os progressos do programa espacial brasileiro” recebendo como resposta um dar de costas acompanhado da seguinte reclamação: “Programa Espacial Brasileiro… se o metrô levou trinta anos para chegar em Ipanema”…

Ora, quem não resolve coisas pequenas aqui na Terra não pode se envolver em aventuras no espaço. Isto é para outros. Esta a ‘moral’ da história.

Duas questões de fundo respondem à critica pertinente. São elas: primeiro, nossa dificuldade de acompanhar o progresso tecnológico dos parceiros, de que é mesmo exemplo o Programa Espacial, arquitetado nos anos 60, mas hoje ultrapassado por muitos países que naquele então sequer cogitavam de investimentos na área, como as duas Coreias, Irã e mesmo a Índia; e, segundo, nossa quase inaptidão política para desenvolver projetos estratégicos, aqueles que definem os grandes objetivos nacionais e condicionam, por isso mesmo, os planos e as ações governamentais, a saber, as táticas necessárias para atingir tais objetivos. Como não há prioridades, nem planejamento de longo prazo, as prioridades são afinal determinadas pelo Tesouro, na medida em que é ele que libera esta ou aquela verba, a partir de critérios puramente burocráticos.

Se fosse possível, porém, reduzir este parágrafo a umas poucas palavras, eu diria que a causa de nossos problemas remonta à traição neoliberal. Demonstrarei.

A inconstância de recursos, promovida pelos governos dos dois Fernandos e estancada no primeiro ano do presidente Lula, é causa suficiente para o atraso, mas não é tudo, pois a ela soma-se a descontinuidade dos projetos, o desinteresse pelas questões estratégias e, finalmente, o desaparelhamento do Estado para as atividades-fim, heranças do receituário neoliberal, ideologicamente comprometido com a ineficácia do público para poder vender o privatismo que nos daria a privataria. O fato objetivo é este: passados mais de quarenta anos do início de nossas atividades espaciais, permanecemos sem centro de lançamento plenamente operacional, sem autonomia na construção de satélites, e sem veículo lançador, e amargando o insucesso das três tentativas frustradas com o VLS da Força Aérea, em quase 30 anos de investimentos e justas expectativas.

Além dos problemas financeiros, determinante dos demais, o Programa Espacial Brasileiro sofre com graves e danosas ineficiências estruturais, compreendendo multiplicidade de comando, dispersão de esforços, paralelismo de projetos, ações repetitivas, inexistência de políticas de pessoal etc. Em várias oportunidades temos insistido na necessidade de fortalecimento político, institucional e funcional da Agencia Espacial Brasileira, de sorte a transformá-la no que deveria ser desde o primeiro dia, missão que desde o primeiro dia lhe foi negada: a de comando do Programa Espacial. No momento é uma passiva repassadora de recursos para programas cuja execução física e orçamentária não controla.

Essas observações relativas ao programa espacial são estruturais e por isso se aplicam mutatis mutandi ao programa nuclear, às terras raras, à autonomia de nossa indústria de defesa, à nossa indústria de telecomunicações, à indústria nacional petrolífera, a saber, a tudo que diga respeito aos nossos interesses estratégicos de povo, nação e país.

Nada é obra do caso. E para consertar essa herança o atual governo precisa mobilizar a sociedade brasileira, a começar pela silente opinião universitária, trazendo essa discussão para a luz do dia.

Aliás, os governos FC e FHC tentaram, deliberada e conscientemente (servindo a quê e a quem, não sei) torpedear nosso projeto espacial, deixando-o à míngua de recursos, sendo por isso, co-responsáveis pelo acidente com o VLS-3, da Força Aérea, ceifando-se 21 de nossos técnicos, especialistas e trabalhadores. Refiro à ação da dupla sobre o Programa Espacial simplesmente porque este é o tema do artigo, mas a ação danosa se deu sobre todas as questões estratégicas brasileiras, como o ensino superior, a pesquisa e a pós-graduação, de que é exemplo o congelamento das bolsas do CNPF durante oito anos!

Vejamos como o neoliberalismo tratou nosso Programa Espacial.

O primeiro fenômeno é a absoluta reversão de expectativas em face do período 1985-1989, quando e só quando os investimentos se concentraram nos três segmentos da atividade espacial: satélites, veículos e centros de lançamento - com uma dotação média anual de 100 milhões de dólares. Daí em diante, penúria! Em 1990 (governo FC) os investimentos caíram para 57 milhões e em 1999 para 9,9 milhões. Ao todo, o país gastou, de 1980 a 2002, apenas US$ 530,2 milhões. Como pensar seriamente em lançar nosso VLS se, a cada ano, o governo reduzia os investimentos? De US$ 27,5 milhões em 1995, caímos para 18,7 em 96, para 11,271 em 97, para 10,408 em 98 e, finalmente, para US$ 3,7 milhões em 2002.

Em 1999, o governo havia tido o desplante de só aplicar US$ 1,6 milhão!

O acidente de Alcântara foi antecipado pela perda do Saci-2, denunciando já ali a ausência de recursos e de uma adequada política de pessoal. Era a agonia prenunciando a tragédia que o tucanato nada fez para evitar. A irresponsável dieta financeira repercutiu na redução das despesas de consumo e contratação de serviços, impôs restrições à cooperação nacional e internacional, implicou drástica limitação das encomendas, afetou qualidade e cronograma das operações (faltou dinheiro até para o radar meteorológico de Alcântara!), e determinou a evasão de pessoal qualificado, decorrente da ausência de concursos e do congelamento, por oito anos, dos salários de técnicos e cientistas. Os que ficaram, tiveram o treinamento comprometido, muitos impedidos de acompanhar mestrado fora do país, para não desfalcar a equipe, já reduzida ao mínimo.

As consequências sobre os recursos humanos foram devastadoras. De 1990 a 2003, o CTA registrou a evasão de 2.526 servidores civis, entre técnicos de nível superior, intermediário e auxiliar. Só em 1997 o Programa perdeu 90 cientistas. Em 2002, último ano do governo FHC e etapa crucial para o lançamento do VLS, apenas 500 servidores estavam dedicados às atividades espaciais. Por falta de recursos.

A questão é política, meus caros Arnaldo e Claudio, e dizem respeito ao futuro de nosso país. Talvez por isso mesmo, pois nossa soberania não é um projeto unânime entr enós, já aparecem vozes defendendo a retomada do ‘acordo’ leonino firmado pelo governo FHC com os EUA cujo objetivo era nos alienar de nossas bases em Alcântara, projeto felizmente estancado pelo presidente Lula no primeiro ano de seu primeiro governo.

Mas esta é outra questão que pede outro artigo.

Roberto Amaral - Carta Capital

Um comentário:

  1. Incrível como não foi dedicada uma palavra acerca da situação dos remanescentes de quilombo que durante todo o processo de implantação do programa espacial brasileiro sofreram remoções forçadas e ainda hoje estão ameaçados perder seus territórios étincos que o governo tarda em reconhecer oficialmente com a titulação. Pergunta-se, quais os reais benefícios do suposto progresso cientifico-tecnológico para os moradores de Alcântara e da região da baixada maranhense?

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