terça-feira, 30 de abril de 2013

Rótulo 'bolivariano' é o novo tomate contra o PT

Assim como na inflação do tomate, há mais um movimento orquestrado nos meios de comunicação; a moda, agora, é dizer que o PT e a presidente Dilma atentam contra a democracia; o que parecia apenas uma tomatada ideológica na revista Veja do fim de semana, já ganhou a adesão de Ricardo Noblat, de Reinaldo Azevedo e de Dora Kramer, em suas colunas, e de João Roberto Marinho, em editorial do Globo; no Brasil de hoje, ter ampla base de apoio parlamentar e exercê-la virou sinônimo de ditadura, quase um crime; enquanto isso, democrático parece ser recorrer ao Judiciário para reverter decisões tomadas pela maioria do Congresso Nacional

247 - Parecia apenas mais uma tomatada ideológica da revista Veja. No fim de semana, sob o título "A República Bolivariana do Brasil", a publicação acusava o PT de tentar esmagar a democracia no Brasil. Tudo porque o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI) havia apresentado, dois anos antes, uma Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 33, que amplia o quórum para que o Supremo Tribunal Federal tome algumas decisões relacionadas a Ações Diretas de Inconstitucionalidade. O objetivo, em vez de combater a separação entre os poderes, cláusula pétrea da Constituição Federal, é justamente fortalecê-la, uma vez que o STF tem sido useiro e vezeiro em invadir a seara alheia, anulando, muita vezes de forma liminar, decisões tomadas pela maioria do Parlamento. Por isso mesmo, o projeto, relatado pelo deputado tucano João Campos (PSDB-GO), foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara dos Deputados.

No entanto, o que deveria ser apenas um projeto a mais em tramitação no Congresso Nacional deu vazão a um discurso histérico contra o PT – e a mais uma agressão institucional contra o parlamento, cometida pelo ministro Gilmar Mendes, que, numa liminar, impediu a tramitação de um projeto sobre fidelidade partidária aprovado pela Câmara dos Deputados. Agindo politicamente, Gilmar condenou a decisão dos parlamentares, como se, numa democracia, fosse crime ter maioria parlamentar e exercê-la.

O problema é que a imprensa tradicional, em vez de criticar a decisão de Gilmar, que poderá ser corrigida pelo plenário do STF em maio, tem-se concentrado em espalhar a tese do bolivarianismo. Ontem, Ricardo Noblat, colunista do Globo, acusou o PT e a própria presidente Dilma Rousseff de patrocinarem golpes contra a democracia (leia mais aqui). Hoje, Reinaldo Azevedo afirma que o PT inveja a Bolívia, onde Evo Morales conseguiu autorização para concorrer a um terceiro mandato (leia aqui). E o mais curioso é que nem Lula, nem Dilma jamais mexeram nas regras eleitorais. Foi FHC quem aprovou a emenda da reeleição e é agora Aécio Neves quem pretende acabar com ela, porque assim terá condições de costurar um pacto com Eduardo Campos.

O rótulo "bolivariano" inspirou também a colunista Dora Kramer, do Estadão, que, a pretexto de comentar o documentário "O Dia que durou 21 anos", sobre a ditadura militar, alerta para o risco que o PT hoje representaria para a democracia. E fez também o jornal O Globo afirmar, em editorial, que o "bolivariano" Partido dos Trabalhadores tenta arrancar cláusulas pétreas da Constituição Federal.

Leia abaixo o artigo de Dora:
O Dia que Durou 21 Anos é um documentário para ser visto e compreendido em duas dimensões, a explícita e a implícita. Trata da influência do governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964, mas não é só isso.
Subjacente às urdiduras norte-americanas no Brasil, o argumento do jornalista Flávio Tavares confere nitidez à linha tênue que separa as palavras ditas das intenções pretendidas quando o nome do jogo é Poder.
No filme, Newton Cruz, um dos mais coléricos personagens do período, diz uma frase que surpreende pela autoria e deixa patente a diferença entre o discurso de defesa da democracia que justificou a conspirata para derrubar João Goulart e a prática que logo revelaria o intuito de instalar uma ditadura militar longeva no País.
"Disseram que iriam arrumar a casa, mas ninguém leva 20 anos para arrumar uma casa", aponta o aposentado general quase ao final dos 77 minutos de projeção. Para além do relato em si, a constatação convida o pensamento a passear pelo terreno das razões alegadas e dos métodos utilizados por aqueles com vocação autoritária.
Gente refratária ao contraditório, obstinada na perseguição de seus objetivos, convicta de que seus fins justificam o emprego de quaisquer meios e, sobretudo, partidária da ideia de que alternância no exercício do poder é praticamente um crime de lesa-pátria.
O procedimento mais tradicional observado nesses grupos é o uso da força, a truculência sem ambiguidades, a ilegalidade impudente. Assim foi a partir daquele dia de março/abril do qual se ouvirá falar muito, junto com Copa e eleições, em 2014 por ocasião da passagem de seu meio século.
Há, porém, outras maneiras de o autoritarismo se expressar. Ladinas, sorrateiras, mas sempre ao abrigo do discurso de defesa de ideais democráticos. Ambas as formas são perigosas, mas a segunda pode ser mais ruinosa justamente porque não ataca de frente preferindo comer o mingau pelas beiradas.
Persistentemente, construindo o cerco à atuação dos adversários, o enfraquecimento das instituições e a debilitação dos instrumentos de guarda da legalidade, nos detalhes. Um aqui, outro ali, sem nunca descuidar de distribuir benesses pontuais e promover uma sensação geral de bem-estar a fim de que seus propósitos não despertem reações.
E, se despertarem, que possam ser atribuídas aos invejosos, aos conspiradores, aos preconceituosos, aos inimigos do povo, aos que não se conformam com o êxito dos locatários do poder que pretendem dele se tornar proprietários.
De onde é preciso estar atento. Não se deixar confundir nem iludir. Nunca menosprezar gestos aparentemente laterais, insignificantes, pitorescos até.
Nada tem de inocente a proposta apresentada por um deputado supostamente secundário do PT para que se derrube o pilar do sistema republicano de equilíbrio entre Poderes e se submetam decisões da Corte Suprema ao crivo do Legislativo ou de plebiscitos.
Não houvesse imprensa livre para denunciar e Judiciário independente para reagir, a proposta poderia prosperar. Se hoje tivéssemos o conselho de controle e fiscalização dos meios de comunicação proposto no início do primeiro mandato de Lula, se os ministros indicados por governos do PT ao STF tivessem se curvado à lógica de que à indicação deveria corresponder conduta submissa, talvez a ideia do deputado Nazareno não fosse tratada como a ignomínia que é.
De onde é preciso prestar muita atenção à tal de Comissão Especial de Aprimoramento das Instituições instalada em novembro na Câmara por iniciativa do PT, com a tarefa de rediscutir os papéis do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Disso já trata a Constituição que, uma vez respeitada, cuida bem de manter afastados do Brasil os males do arbítrio.

Leia ainda o editorial do Globo:
Fúria legiferante do PT passa por cima da boa tradição jurídica, e flerta abertamente com o modelo bolivariano
Temporariamente esfriada a tensão entre o Congresso e o Supremo, continuam a germinar na beira do campo propostas que visam a constranger o STF, culpado da ousadia imperdoável que foi o julgamento do mensalão. Desde julho de 2012, existe uma entidade criada pelo ex-presidente da Câmara, Marco Maia, que atende pelo sugestivo nome de Comissão Especial de Aprimoramento das Instituições Brasileiras. A ela foi entregue, pelo sucessor de Maia — o deputado Henrique Alves —, o nada modesto projeto de “delimitar o terreno do Executivo, do Legislativo e do Judiciário”.
Qualquer pessoa de bom-senso imaginaria que isto é função de uma Assembleia Constituinte. Mas não há limites para a imaginação de alguns legisladores do PT — como o deputado Nazareno, que surgiu de capa e espada, dentro da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, para alterar os pesos e medidas do nosso sistema institucional.
Agora temos outro legislador-mor: é o deputado Rogério Carvalho (PT-SE), relator da mencionada Comissão de Aprimoramento das Instituições Brasileiras. Para ele, a fixação de limites e competências dos Poderes é o “debate central” da comissão (pensava-se que esses limites e competências já estariam inscritos na letra da Constituição).
A intenção do deputado, explicada antes mesmo de qualquer debate, é fortalecer os poderes eleitos (Executivo e Legislativo), sob o argumento de que o julgamento das urnas proíbe a formação de “instituições absolutistas”. A essa pecha submete o deputado a antiga ideia de Montesquieu, a do equilíbrio dos poderes. O que o deputado pretende é exatamente desmanchar esse equilíbrio recorrendo ao voto popular. Modelo que o chavismo praticou até arrasar com as instituições venezuelanas.
Sociedades, com certeza, não são mecanismos estáticos. Pode haver o desejo de adaptar o texto constitucional a novas necessidades. Mas há limitações para isso, destinadas a evitar uma deformação contínua do tecido constitucional. O exemplo extremo é o dos EUA, cujo texto constitucional mantém-se impávido há 200 anos.
Segundo uma sábia tradição, o poder de reforma não é o mesmo que o poder constituinte original. Exemplo disso são as famosas cláusulas pétreas, que não podem ser modificadas. Sua função é prevenir um processo de erosão da Constituição. Pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios a cada momento destruam um projeto duradouro. Assim, diz o artigo 60 da Constituição brasileira: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais”. Os legistas do PT precisam ler a Constituição.




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