segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Lava Jato, ponto de inflexão ou fuga para frente?

ENVIADO POR ION DE ANDRADE  DOM, 28/06/2015 - 13:54



Por Ion de Andrade

A Operação Lava Jato entrou em novo patamar e desta vez, o que está posto é suficiente para arruinar o Brasil. Três pontos altos parecem demonstrar que chegamos ao clímax da Operação.

O primeiro ponto alto é metodológico: o incrível vazamento através da mídia de bilhete escrito pelo presidente da Odebrecht aconselhando o seu advogado a destruir um email. Esse email já estava em poder da justiça e, por óbvio, não poderia mais ser destruído fisicamente, dando crédito à versão da defesa de que o email, não respondido, deveria ser rebatido energicamente, ou seja, destruído. A sua difusão desrespeita a inviolabilidade da defesa e é algo que, demonstra duas coisas a) o total desrespeito ao preso e b) a insegurança profunda dos agentes envolvidos na Operação quanto à própria ação que realizam, mostrando que se sentem devedores de continuadas explicações e justificativas. Uma espécie de “vejam como temos razão”.

Considero isto um ponto alto porque a insegurança dos agentes de vazar a informação para ter (finalmente) razão demonstra que ultrapassamos um limiar ético onde as tensões começarão a se acumular também no campo da operação. O vazamento parece demonstrar, portanto, que farejaram uma ilegitimidade e há nuvens no horizonte que fazem presumir um ponto de inflexão.

No tocante a essas práticas, a OAB, tardiamente, já tomou medida de questioná-las judicialmente. O ministro Teori Zavascki também, tendo inclusive classificado a prisão dos demais empresários investigados e já soltos de medievalescas. A continuidade das mesmas práticas, que pode figurar como uma espécie de reincidência é, inclusive, ostensivamente desmoralizante para com o referido ministro do supremo. Seja como for, parece que algum instrumento de contenção está em marcha.

O segundo ponto alto da Operação é a solicitação pelo MPF de investigação de empresa nacional por potência estrangeira, fato que está, naturalmente, agravado pela intencionalidade da interdição da empresa alvo, de que trataremos no terceiro ponto.

Essa ação tende a inviabilizar o funcionamento da Odebrecht no plano internacional. Só no Panamá a empresa tem 8,5 bilhões de dólares em contratos e o Ministério Público local já começou a investigá-la. A solicitação do MPF dispensa comentários. A sua gravidade fala por si mesma em alto e bom som. Porém, quem é que pode desautorizar a referida potência estrangeira de continuar as investigações solicitadas pelo MPF brasileiro, além do próprio MPF autor do pedido?

O STF está descartado. Ele só poderá atuar daqui a alguns anos se vier a considerar as “provas” advindas dessa investigação como inválidas por conflito de interesses. De fato, o órgão sobre quem repousa a responsabilidade maior e primeira sobre a defesa da Soberania Nacional é a Presidência da República. Cabe à presidenta, portanto, desautorizar o ato de agressão à Soberania Nacional contido no pedido de investigação de empresa nacional por país estrangeiro.

O terceiro ponto alto da Operação foi a explicitação, na ordem de prisão de Marcelo Odebrecht, feita pelo próprio juiz Moro, da intenção, até aqui não oficial, de que o alvo da operação é a própria Odebrecht (e as demais empreiteiras) e não somente os eventuais culpados pessoas físicas. Diz o juiz Moro, em frase contraditória, porque enuncia permitindo e conclui proibindo:“As empreiteiras não foram proibidas de contratar com outras entidades da Administração Pública direta ou indireta e, mesmo em relação ao recente programa de concessões lançado pelo Governo Federal, agentes do Poder Executivo afirmaram publicamente que elas poderão dele participar, gerando risco de reiteração das práticas corruptas, ainda que em outro âmbito”.

A frase é de compreensão difícil, porque se as empresas não estão proibidas de contratar, não deveriam ser punidas por terem a intenção de fazê-lo, porém o raciocínio toma parte da ordem de prisão do “apenado”.

Considero essa ordem de prisão um ponto alto da Operação Lava Jato porque, por ela, a Odebrecht é tratada como uma quadrilha. O crime praticado passou, clara e explicitamente a ser considerado como uma atividade fim da empresa que não pode mais, aos olhos do juiz, contratar com o Poder Público, (ainda que não esteja proibida), pois, dada a sua natureza criminosa intrínseca, só pode atuar de forma criminosa. O contrato ou a participação da empresa em licitações públicas deve, portanto e absolutamente, ser impedido, ao custo, se necessário, da prisão do presidente da empresa/quadrilha, com o fito de proteger o erário. O ministro Cardoso classificou a exigência de interdição da Odebrecht em licitações públicas como “abuso de poder”, que é crime tipificado no código penal.

A punição dos empresários culpados é, por esse entendimento exarado na ordem de prisão, não o fim mesmo da Operação Lava Jato, mas o meio através do qual as quadrilhas (megaempresas nacionais) deverão ser interditadas e neutralizadas. Aquilo que entendíamos como efeito colateral, a quebra de empresas que são patrimônio nação, no contexto da responsabilização de pessoas, deve ser entendido doravante como parte da ação.

É óbvio que tratar as empreiteiras nacionais que incorreram em atos de corrupção como se fossem um braço da Cosa Nostra, cuja natureza criminosa intrínseca impede a participação em licitações públicas não encontra respaldo legal. Uma coisa é uma quadrilha, uma associação para o crime, outra é uma empresa que eventualmente pode cometer ilícitos.

A FIFA, o HSBC, ou a Siemens dentre muitas outras continuam trabalhando, pois, como é óbvio, o crime e a atividade fim não estão confundidos. Com a Odebrecht, patrimônio nacional do Brasil, não. O crime e a atividade fim são uma só e mesma coisa, o que é suficiente para interditar a empresa.

A Operação Lava Jato está orientada, para além das proibições legais, como reconhece o seu maior responsável, para que o patrimônio material e humano reunidos na Odebrecht, o seu know how e tecnologias, todos inestimáveis para o Brasil, deixem de atuar em contratos públicos, o que representará a sua falência e perdas colossais para o país.

Vejamos as implicações desse entendimento para o país.

Conforme o Portal R7, em artigo intitulado "Lava Jato: investigações levantam dúvidas sobre obras da gigante Odebrecht:" “O Principal projeto de defesa brasileiro, o submarino de propulsão nuclear está sendo construído pela Odebrecht. Para Hélcio Takeda, diretor de pesquisa econômica da consultoria Pezco Microanalysis, os últimos desdobramentos da Lava Jato geram uma "indefinição" sobre o andamento das principais obras do país. Ele lembra que, no início deste mês, o governo anunciou um novo pacote de concessões envolvendo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos para modernizar a infraestrutura brasileira e, assim, retomar o crescimento da economia. "Seria prematuro dizer o que acontecerá agora com a Odebrecht. [O andamento das obras] vai depender de como as investigações vão afetar a capacidade de financiamento da empresa. Neste momento, tudo ainda está muito nebuloso", disse ele à BBC Brasil.”

Apesar disto, as obras atuais da Odebrecht continuam, conforme informa a própria empresa, mas a perspectiva de falência, por crise de financiamento, foi aventada por diversas agências de risco e a Standard & Poors já rebaixou a nota da empresa, o que lhe encarecerá os créditos para financiar-se.

As principais obras da Odebrecht são, além do Submarino Nuclear brasileiro, as Olimpíadas 2016, a usina de Belo Monte, os Navios Sonda e o Complexo Petroquímico do Rio.

Ora, se o abuso de poder é crime, a ação orientada para prejudicar, que pode ser conceituada como sabotagem, também o é e está tipificada no artigo 15o da lei 7170, a lei de Segurança Nacional de 1983, que ainda está em vigor e que, apesar de originar-se dos tempos do autoritarismo se curva hoje ao ordenamento jurídico do Estado de direito.

Diz a lei:
Art. 15 - Praticar sabotagem contra instalações militares, meios de comunicações, meios e vias de transporte, estaleiros, portos, aeroportos, fábricas, usinas, barragem, depósitos e outras instalações congêneres.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
§ 1º - Se do fato resulta:
b) dano, destruição ou neutralização de meios de defesa ou de segurança; paralisação, total ou parcial, de atividade ou serviços públicos reputados essenciais para a defesa, a segurança ou a economia do País, a pena aumenta-se até o dobro;
mas adverte também:
§ 2º - Punem-se os atos preparatórios de sabotagem com a pena deste artigo reduzida de dois terços, se o fato não constitui crime mais grave.

Com pouca jurisprudência de guerras, espionagem e contraespionagem, a sabotagem é comumente conceituada na justiça trabalhista como dano físico a máquinas e equipamentos ou de forma mais abrangente como dolo, no direito administrativo. O conceito de sabotagem inclui, no entanto, sempre um dolo e um prejuízo. O prejuízo ao país é inquestionável e o dolo (tentar interditar ilegalmente uma empresa com prejuízos para a nação em áreas estratégicas) pode ser presumido nos termos constantes da ordem de prisão do presidente da Odebrecht, - “As empreiteiras não foram proibidas de contratar com outras entidades da Administração Pública...” Diante da possibilidade de uma ação dolosa e assumidamente ilegal em prejuízo do Brasil, é imperativa a investigação do Ministério Público, pois, além do abuso de poder, o risco de falência a que a Odebrecht foi exposta produziria, de forma sistêmica e generalizada, tudo o quanto se prevê no artigo 15o da lei 7170.

Embora estejamos num país e numa quadra em que cada dia é pior do que o anterior, quero crer que no que toca à operação Lava Jato atingimos o clímax.
Isso significa que ou essa Operação destrói e arruína o Brasil de uma vez, incluindo os megaprojetos de defesa e infraestrutura, ou os poderes constituídos lhe dão um basta, obrigando não a parar, mas a investigar e punir culpados e a respeitar o patrimônio nacional.

Se o Estado de direito fizer valer a sua autoridade teremos chegado a um ponto de inflexão. Se não, haverá nova fuga para frente. No pé que vão as delações há de chegar ao Papa Francisco.



Jornal GGN

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