segunda-feira, 23 de maio de 2016

Jucá tenta emplacar seu projeto de lei que favorece as construtoras e destrói o consumidor. Por José Cássio

Postado em 23 May 2016


Eles

São tantas as contradições impostas em apenas uma semana pelo governo golpista de Michel Temer em relação ao programa que foi eleito pelo povo brasileiro em 2014 que a maioria passa despercebida pela opinião pública.

Uma delas, o Projeto de Lei nº 774/2015, do Senado Federal, é capitaneada pelo ministro do Planejamento, Romero Jucá. Como esperado, fere diretamente o cidadão comum que busca o sonho da casa própria.

O “presente” do então senador Jucá (PMDD-RR) às construtoras e incorporadoras imobiliárias foi apresentado na véspera do recesso legislativo, em meados de dezembro passado e ao apagar as luzes do Congresso Nacional.

O texto, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a toque de caixa, em abril deste ano, autoriza construtoras e incorporadoras a reter substancial quantia em caso de devolução de imóvel comprado na planta.

Não bastasse prejudicar descaradamente quem está pagando as prestações, trata-se de um flagrante desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor.

A Lei-Jucá permite, por exemplo, que construtoras cobrem uma multa de 25% do valor que o consumidor pagou a ela mais 5% do valor de venda do imóvel em casos de cancelamentos de contratos imobiliários.

Além disso, o valor restante seria pago pela construtora em três parcelas.

A acintosa proposta que atende os interesses do “mercado”, em detrimento dos “consumidores”, possui diversos desencontros com a legislação.

De acordo com as decisões dos tribunais, em casos de cancelamento sem que haja falhas de ambas as partes, o consumidor deve receber de 85% a 90% do valor pago à incorporadora.

Além disso, a construtora deve devolver imediatamente o valor que cabe ao cliente em uma única parcela, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O número de cancelamento de contratos imobiliários aumentou por causa da crise econômica e da alta da taxa de juros.

Consumidores estão tendo dificuldades em prosseguir com a compra dos imóveis e acabam desistindo do negócio. Só em 2015, de cada 100 imóveis vendidos, 41 foram devolvidos, de acordo com a agência de classificação de riscos Fitch.

Sobre a iniciativa de Romero Jucá, vale destacar a opinião contrária de sua colega de bancada, Marta Suplicy (PMDB-SP).

Marta sustenta ser a redação original do PL é “prejudicial aos consumidores”, observando que o limite de 10% fixado em reiteradas decisões judiciais é plenamente adequado, caracterizando o percentual estipulado no projeto de Jucá como um verdadeiro enriquecimento ilícito das construtoras, “tendo em vista que o imóvel pode ser novamente negociado pelo preço médio de mercado sem qualquer depreciação”.

Sobre o tema, vale ressaltar também o que escreveu Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário e presidente do Comitê de Habitação da OAB/SP.

“O PL 774/2015 viola frontalmente a legislação, vai de encontro às leis de defesa do consumidor e civil e fere princípios intangíveis do direito e afronta súmulas de Tribunais Estaduais e do próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ)”.

“O que pretende, de forma prática”, prossegue o especialista, “é que se a forma de agir das construtoras viola a lei, os respeitáveis legisladores, em vez de criarem mecanismos para coibir os exageros, optam por legalizar a conduta ilegal e permitir às empresas que continuem fazendo suas espúrias retenções, mas dentro da lei”.

As decisões judiciais tendem a garantir ao consumidor a devolução de percentuais entre 85% a 90% dos valores pagos, corrigidos monetariamente e em única parcela.

Conforme Marcelo Tapai, “retenções abusivas e restituição parcelada são ilegais, e o judiciário condena as empresas a seguir o que preceitua a legislação vigente”.

A rapidez com que o projeto de Jucá foi analisado e aprovado também chamou a atenção dos especialistas.

Apenas três dias após sua apresentação, recebeu parecer favorável do relator da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), senador Benedito Lira (PP-AL), e em mais seis dias já estava incluído na pauta para votação. Um tempo recorde.

Para variar, nada foi debatido com a população, beneficiando coincidentemente o segmento econômico que financiou as campanhas eleitorais do senador, o que leva o advogado Marcelo Tapai a levantar suspeitas quando ao mérito da iniciativa.

“Romero Jucá foi arrolado na investigação que apura eventuais desvios na construção da usina de Angra e envolve as construtoras”, diz Tapai.

O presidente do Comitê de Habitação da OAB/SP prossegue.

“Em depoimento prestado à Polícia Federal, Jucá admitiu que se encontrou com o empresário Ricardo Pessoa, envolvido nos esquemas da Lava Jato e lhe pediu R$ 1,5 milhão para a campanha do filho, que, segundo o empreiteiro, serviria para facilitar a contratação de obras na Eletronuclear”.

As dúvidas sobre a conduta dos senadores chegam ao relator da CCJ que votou favoravelmente à aprovação do parecer: como Jucá, Benedito Lira (PP-AL) também foi denunciado, junto com seu filho, o deputado federal Arthur Lira, por suposto envolvimento na Lava Jato – Arthur Lira também foi condenado em seu Estado natal por outro escândalo de corrupção- desvio de cerca de R$ 330 milhões dos cofres alagoanos.

Reforçando a suspeita do envolvimento dos parlamentares com as construtoras do esquema de corrupção que envolve as empreiteiras, Marcelo Tapai lembra que “em recente decisão, o STF (Superior Tribunal Federal) determinou o bloqueio de mais de R$ 4 milhões da conta de pai e filho e o MPF (Ministério Público Federal) afirma que o desvio promovido por ambos é de mais de R$ 8 milhões”.

O caso do projeto de Lei de Romero Jucá se soma a outra iniciativa do governo golpista para dificultar a vida de quem procura realizar o sonho da casa própria.

Num de seus primeiros atos como “presidente interino”, Temer abandonou a meta de contratar dois milhões de residências até o fim de 2018 para o programa Minha Casa, Minha Vida.

O ministro interino das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), estimou um prazo de 40 dias para estabelecer uma nova meta, que dependerá da análise que a equipe econômica de Temer fizer das contas públicas.

Além disso, as condições da terceira etapa do programa serão reavaliadas.

A ideia inicial, que não saiu do papel, era a de criar uma faixa intermediária, intitulada de faixa 1,5, para atender famílias com renda mensal de R$ 2.350,00, que teriam direito a subsídios na compra de imóveis e nos juros do financiamento.

Nascido em Recife, Romero Jucá tem uma longa folha de desserviço prestada aos brasileiros mais humildes.

De diretor da Secretaria da Educação do Estado a secretário extraordinário de coordenação da Prefeitura capital pernambucana, chegou à presidência do Projeto Rondon e depois da Funai (Fundação Nacional do Índio), que comandou entre os anos de 1986 a 1988.

Contrariando o que diz hoje como interino do Planejamento, nos cinco primeiros meses da sua gestão na Funai aumentou de forma afrontosa o número de funcionários, principalmente em sua base eleitoral na época, Recife.

Houve intervenção do Tribunal de Contas da União (TCU) por conta de irregularidades financeiras.

Depois de ter deixado o cargo, Jucá passou a ser investigado pelo Superior Tribunal de Justiça por ter permitido extração de madeira em área indígena, não sem antes ter sido quem mais desmarcou terras indígenas e acusado de tentar reduzir o território do Parque Yanomani em pelo menos 25%.

Foi pelas mãos do então presidente José Sarney que o “capitão do mato”, como Jucá é jocosamente chamado nas rodas políticas de São Paulo, alongou para Roraima após ter sido nomeado governador biônico em 1988.

Disputou e perdeu o governo do Estado em 1990, mas conseguiu eleger a então mulher, Maria Teresa, para a Prefeitura de Boa Vista em 1992.

Em 1994 chegou ao Senado e desde então ocupa a vaga de líder de Governo – FHC duas vezes, Lula e Dilma.

Seu nome aparece na Operação Lava Jato, que investiga os esquemas de corrupção na Petrobras, onde foi citado nos depoimentos de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal, além de ser suspeito de receber propinas na construção de Angra 3.

Da mesma forma, Jucá é citado na Operação Zelotes, que investiga um esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Não queremos acusar o interino do Planejamento de usar o posto para tramar contra cidadãos que buscam o sonho da casa própria.

Mas fica o alerta quanto ao seu perfil pessoal e sobretudo como sua pretensa Lei beneficia construtoras e incorporados, lembrando que o gesto, se a intenção do país fosse encarar a corrupção de frente, deveria também entrar no hall das investigações da Polícia Federal.

Como bem ressaltou Marcelo Tapai, presidente do Comitê de Habitação da OAB/SP, “a desejada idoneidade proveniente das esperadas investigações seriam um importante elemento de prova da lisura das intenções de Jucá e dos demais legisladores”.

Sobre o Autor
JC é jornalista com formação política pela Escola de Governo de São Paulo


Diário do Centro do Mundo   -   DCM

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