quarta-feira, 20 de julho de 2016

Queremos ser o país do grampo geral e irrestrito?



POR FERNANDO BRITO · 20/07/2016



Escrevi, ontem, que a polêmica sobre o bloqueio – já suspenso – do WhatsApp estava torta.

A questão essencial não é o bloqueio do serviço. Existem dezenas de outros aplicativos semelhantes.

Se bloquearem os 10, surgirão mais 10 e mais dez. Sem contar as formas de burlar os bloqueios.

E é claro que a empresa, como qualquer outra, está obrigada a seguir decisão judicial ou a enfrentá-la de forma jurídica.

Creio que a questão essencial é outra.

Um comentário de leitor, discordando do meu post anterior, levou-me a fazer uma pesquisa sobre o número de interceptações telefônicas judicialmente autorizadas.

Simplesmente não há dados recentes públicos, embora o Conselho Nacional de Justiça tenha a informação, mensalmente atualizada, da quantidade de escutas autorizadas, em curso ou prorrogadas, conforme o art. 18 da resolução que disciplina as interceptações.

A última informações disponíveis foram dadas pelo então presidente do CNJ, o então ministro Gilson Dipp, que disse que estavam em curso, em novembro de 2008, grampos legais em 12.210 telefones. Em junho de 2010, segundo o CNJ, eram mais de 16 mil linhas interceptadas.

Estes números, porém, eram mínimos diante do que as operadoras de telefonia informaram à CPI dos Grampos telefônicos, segundo a Folha de S. Paulo:

Dados oficiais das operadoras de telefonia enviados à CPI dos Grampos e compilados por técnicos da comissão revelam que foram feitas pelo menos 375.633 escutas telefônicas com autorizações judiciais em 2007 -ou seja, em média foram iniciadas mais de mil interceptações a cada dia.
A análise dos dados revelou irregularidades explícitas, como grampos determinados por varas de família -a lei diz que a escuta só pode ser usada em investigação criminal. Também foram dadas ordens para interceptações por período superior ao limite de 15 dias. Há casos de grampos contínuos por 190 dias, sem os devidos pedidos de prorrogação na Justiça.

Mesmo que se possa considerar que alguns terminais possa ter sido objeto de mais de uma escuta e estejam aí incluídas as prorrogações, se tínhamos 300 mil grampos em 2007, quantos seriam hoje? Ou, se não tínhamos e os corretos são os números do CNJ, porque não se abriu uma investigação sobre os números informados pelas telefônicas, pois interceptação que não está devidamente autorizada e registrada em processo é crime?

A única informação que encontrei na internet foi no jornal A Crítica, de Manaus, que requereu as informações ao CNJ e diz que “em novembro de 2013, o número de telefones grampeados (de ligações comuns e VOIP) chegou a 1.603 ” no estado. E que “de 2009 a 2013, a média mensal de telefones grampeados no Amazonas saltou de 21 para 368”.

Por qual razão os brasileiros não podem saber quantas linhas telefônicas estão sendo grampeadas? Obvio que não é para identificar quais, mas para poder saber a extensão desta atividade?

O que aconteceu com a interceptação “automática”, que dispensaria comunicação às operadoras – como foi noticiado pelo Estadão?

A discussão sobre o WhatsApp, portanto, é maior do que a indignação justa por ficar-se algumas horas sem o serviço de mensagens.

É sobre os métodos e a extensão do controle policial e judicial sobre a privacidade dos brasileiros.


Tijolaço

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